À beira dos 30
É impressionante como podemos andar tantos anos enganados.
Aos 20 pensamos que nos livrámos finalmente das teias de aranha da adolescência, dos seus dramas de faca e alguidar e das suas rebeldias de almanaque, quando começamos a ganhar uns trocos e atiramos um "Até logo" à mãe sem previsão de chegada.
Saímos de casa num dia de chuva, com uma mochila cheia de roupa, meia dúzia de livros e CD riscados e um ou dois recuerdos sentimentais imberbes. Vamos regressando de duas em duas semanas para levar, aos poucos, partes da nossa vida, como orfãos à espera de serem recolhidos do nosso quarto de solteiro cada vez mais vazio.
Se tudo correr bem, ao fim de um mês os velhos já fizeram planos para instalar ali um escritório, uma sala de estar ou uma arrecadação para a tralha.
Se tudo correr mal, deixarão tudo como no dia em que saiste: o urso feliz em cima da colcha pirosa, a boneca zarolha em cima do guarda-vestidos, os posters dos Nirvana saídos na Bravo, amarelecidos e ainda colados às paredes com fita-cola e cuspo.
E de cada vez que regressares, cada vez mais de longe em longe, cada vez mais espaçado, parece-te difícil que dormiste ali, choraste ali, fumaste cigarros clandestinos e deste quecas ainda mais clandestinas ali e tudo se passa como se olhasses para um álbum de família nostalgicamente carregado de momentos longínquos em que todos eram felizes.
Os anos que se seguem são uma sucessão de tentativas de encaixe a novos empregos, novos corpos, novos amigos, novas solidões, novas facturas a abarrotar a caixa do correio, novos enganos.
Um dia, vindo do nada, com o baque surdo de um soco no estômago para o qual ninguém te preparou, percebes que nunca entendeste tão bem a tua mãe como naquele momento. E só ao fim de 30 anos é que te cai a moeda e percebes que ela tinha razão em muita coisa: devias ter aprendido a funcionar com a máquina de lavar roupa, a entregar os impostos a tempo, a fazer um pé de meia, a escolher as melhor as companhias e os empregos.
De repente, percebes que te vai faltando tempo, que lhe vai faltando mais tempo ainda a ela e que, afinal, só agora começam a chegar as primeiras dores de crescimento.
Tenho que começar a ler as letrinhas em rodapé...
Aos 20 pensamos que nos livrámos finalmente das teias de aranha da adolescência, dos seus dramas de faca e alguidar e das suas rebeldias de almanaque, quando começamos a ganhar uns trocos e atiramos um "Até logo" à mãe sem previsão de chegada.
Saímos de casa num dia de chuva, com uma mochila cheia de roupa, meia dúzia de livros e CD riscados e um ou dois recuerdos sentimentais imberbes. Vamos regressando de duas em duas semanas para levar, aos poucos, partes da nossa vida, como orfãos à espera de serem recolhidos do nosso quarto de solteiro cada vez mais vazio.
Se tudo correr bem, ao fim de um mês os velhos já fizeram planos para instalar ali um escritório, uma sala de estar ou uma arrecadação para a tralha.
Se tudo correr mal, deixarão tudo como no dia em que saiste: o urso feliz em cima da colcha pirosa, a boneca zarolha em cima do guarda-vestidos, os posters dos Nirvana saídos na Bravo, amarelecidos e ainda colados às paredes com fita-cola e cuspo.
E de cada vez que regressares, cada vez mais de longe em longe, cada vez mais espaçado, parece-te difícil que dormiste ali, choraste ali, fumaste cigarros clandestinos e deste quecas ainda mais clandestinas ali e tudo se passa como se olhasses para um álbum de família nostalgicamente carregado de momentos longínquos em que todos eram felizes.
Os anos que se seguem são uma sucessão de tentativas de encaixe a novos empregos, novos corpos, novos amigos, novas solidões, novas facturas a abarrotar a caixa do correio, novos enganos.
Um dia, vindo do nada, com o baque surdo de um soco no estômago para o qual ninguém te preparou, percebes que nunca entendeste tão bem a tua mãe como naquele momento. E só ao fim de 30 anos é que te cai a moeda e percebes que ela tinha razão em muita coisa: devias ter aprendido a funcionar com a máquina de lavar roupa, a entregar os impostos a tempo, a fazer um pé de meia, a escolher as melhor as companhias e os empregos.
De repente, percebes que te vai faltando tempo, que lhe vai faltando mais tempo ainda a ela e que, afinal, só agora começam a chegar as primeiras dores de crescimento.
Tenho que começar a ler as letrinhas em rodapé...