2005-09-02

Minha Casa

Pouca gente escreve como o Zeca. Por isso, perdoem-me a falta de originalidade mas vou citá-lo à laia de corte de fita, de inauguração de parque infantil. Se existisse uma placa à porta da casa do Bicho, como os azulejos de orações marianas à entrada das vivendas, rezaria assim.

Minha Casa

"É mais fácil cultuar os mortos que os vivos
mais fácil viver de sombras que de sóis
é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro.
Não quero ser triste
como o poeta que envelhece
lendo maiakóvski na loja de conveniência.
Não quero ser alegre
como o cão que sai a passear com o seu dono alegre
sob o sol de domingo.
Nem quero ser estanque
como quem constrói estradas e não anda.
Quero no escuro
como um cego tatear estrelas distraídas.

Amoras silvestres no passeio público
amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
tempestades que não param
pára-raios quem não tem
mesmo que não venha o trem não posso parar.
Vejo o mundo passar
como passa uma escola de samba que atravessa.
Pergunto onde estão teus tamborins
pergunto onde estão teus tamborins
sentado na porta de minha casa
a mesma e única casa
a casa onde eu sempre morei."

Zeca Baleiro