2006-02-23

"I wish I knew how to quit you..."


O que se passa dentro do coração dos homens?
Que exílios? Que privações? Que palavras entaladas na laringe, que raiva fechada nos nós dos dedos, nos nós da garganta?
O que se passa nos silêncios deles, na solidão à noite antes de adormecerem? Nos ecos dentro da cabeça, nos fantasmas a gritar dentro do armário, nos desejos adiados, no que há por viver? O que há debaixo do tapete, que se esconde por anos a fio sem que nele se tropece?
Foi preciso uma mulher – Annie Proulx, a escritora tardia que já passou dos 70 e que poucas ou nenhumas entrevistas dá – para ir ao fundo da gaveta arrancar a ferros a violência e a beleza de uma história onde um homem ama outro. Foi preciso um chinês realizar um filme de cowboys que faz o John Wayne dar voltas na tumba e um australiano com mais cara de surfista que de Marlboro Man.
Não é uma história de amor gay. Não é um "Romeu e Julieta", com Julietas a menos e Romeus sobresselentes. É uma história de amor e pronto. E como há muito eu não via uma, porque a impossibilidade e a tragédia são quase sempre os condimentos certos. Que o diga Shakespeare, que não pôs os dois adolescentezinhos borbulhentos de Verona, felizes para sempre, a morar num t2 do Cacém.
Proulx pode não saber o que cabe no coração de um homem, ainda para mais de um homem que ama outro, mas anda lá tão perto que assusta.
Conheçam Jack Twist e Ennis Del Mar.
Conheçam Ennis Del Mar, sobretudo. Abram-lhe o armário.

Afinal há vida em Marte...

3 Comments:

Blogger smallworld said...

Opaaaa, quero tanto ver esse filme. Ainda nao pude, tenho que arranjar boleia aqui em Houston para finalmente poder ir ao cinema. Bom, entretanto, deixo-te o desafio que anda prai. Sorry, tinha que nomear alguem. Tocou-te a ti. Tcharan! Ve as minhas manias no sitio do costume, http://adoro-ler.blogspot.com/ Beijocas

7:24 da tarde  
Blogger Der Überlebende said...

Homofobia vs. glorificação cinematogáfica do amor gay na grande tela. Ainda não sei qual destes aspectos é q está a levar mais gente às salas...

Pessoalmente não me sinto muito entusiasmado em ver este filme, mas também ultimamente ando muito afastado do cinema, nem sequer o Corpse Bride consegui ir ver, e isso, para quem me conhece, diz tudo...

Acredito que sim, que esta estória pode ter um efeito "filandelfiezante" (lembram-se do outro grande romance gay de há uns anos atras em que nem sequer se via um beijo entre o Tom Hanks e o Banderas...) em relançar a discussão sobre a legalização do matrimónio gay em Portugal, e de outros direitos humanos sob fogo. Porque isto temos que ser um pouco advogados do diabo: fala-se demasiado nos direitos legítimos dos casais homo mas não se liga nenhuma à falta de apoios e incentivos que os casais hetero deveriam ter para ter mais do que o 1,2 (um virgula dois, não é um ou dois) filhos que actualmente suporta...
Tanto me choca que não deixem aquelas duas senhoras (que não sei o nome) casarem-se como que me ofereçam um abono de 20 euros por mes por ter outra criança aos meus cuidados...

Há algum filme sobre Lisboa ser a 2ª cidade mais velha da Europa ou do colapso iminente da segurança social perante uma vaga gigantesca de trabalhadores aposentados vs. cada vez menos trabalhadores activos???

E se não fossem os imigrantes, como é que faziamos para renovar a classe trabalhadora?...

Ah pois, esses malandros dos chineses e ucranianos e cabo-verdianos, etc... afinal são peça chave na nossa economia...

Mas pronto, pode ser que o Brokeback seja o verdadeiro grande momento de debate que estávamos mesmo a precisar....

Der Uber

9:59 da manhã  
Blogger Bicho d'Ouvido said...

Não é o grande momento de debate, pelo menos não para mim.
Não me leva minimamente a pensar que seja necessario legalizar casamentos gay ou que deva sair à rua para me juntar ao Love Parade.
Concordo contigo: fala-se demasiado em direitos de casamento e adopção e até legais entre casais homosexuais e menos nos incentivos que o Estado devia dar aos pais portugueses em geral, gays ou não. Fala-se ainda menos de igualdade na questão das licenças de maternidade e paternidade (só 300 e tal homens tiraram essa licença em 2005, sabiam?) e em como isso é um factor de desigualdade na progressão de carreira das mulheres e na paridade entre sexos.
Mas aqui não entra política. O que me tocou foi a história que há atrás do coração de dois homens. Não queria um final feliz. É pela densidade emocional tão fidedigna que há nos sentimentos de dois gajos que tinham tudo para ser dois grunhos. E afinal, os grunhos também amam...

8:14 da tarde  

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