2005-09-19

E agora, o meu momento Eduardo Prado Coelho! (Sim, porque isto não pode ser só regabofe...)

A civilização em que vivemos é protegida por uma camada extremamente fina. Basta um abalo e ela estala, passando cada um a lutar furiosa e instintivamente pela vida, como cães selvagens”, diz Timothy Garton Ash, autor e historiador britânico, citado por Graça Franco na sua crónica de hoje do Público, “O Regresso às Cavernas.” Não posso estar mais de acordo com a citação, que aliás aparece relacionada com a violência, violações, pilhagens e selvajaria que se seguiu à tragédia em New Orleans. Mas basta uma situação de stress, como a perda de um voo, para que o Neandertal em nós venha a superfície e faça estragos, continua Graça Franco, explicando as teorias de Ash.
A cronista vai mais longe e diz que este risco de retrocesso da civilização está associado a um embrutecimento de consciências, que leva as pessoas agir sem sentimento de culpa ou piedade, apenas pela maximização de resultados e prazer. E está cheia de razão, neste aspecto, quanto a mim.
Mas, rapidamente, passa deste ponto à análise das liberdades da escrita.
O motivo da crónica é um livro maldito, escrito por uma autora morta há 3 anos e intitulado “A traficante de crianças” de uma tal Wittkop. Nele figuram descrições chocantes de pedofilia, tortura e morte de menores, ao melhor estilo de “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma”, do Marquês de Sade. Graça Franco ficou chocada ao ver este livro elogiado como “Extremamente bem escrito!” por um crítico literário do suplemento Mil Folhas, do mesmo jornal. “Proíbe-se e combate-se a pornografia infantil na net mas publica-se e promove-se isto”, diz a cronista.

Post(o) isto – como diz a minha querida e engajada vizinha – tenho três perguntas para os mais corajosos. Não há cá julgamentos de valor, quero apenas saber o que pensam.
1- Será que não se está, aqui, a subvalorizar o sentido de discernimento do leitor em julgar como mau ou bom aquilo que vai ler (se é que o vai ler…)? Não será excesso de paternalismo?
2- Arte e Moralidade têm que andar sempre de mãos dadas? Pensem também nos filmes de Leni Riefenstahl, só a título de exemplo: belos, epopeicos, expoente máximo da perfeição cénica… e nazis (oh well!... ninguém é perfeito). Deixam de ser perfeitos por causa da máquina propagandística que os envolve?
3- Terá a Antígona algum direito (moral, mais uma vez) de publicar um livro com descrições de sevícias a crianças, numa altura em que se combate a prostituição infantil e se desmantelam redes de pedofilia que torturam, na realidade e exactamente desta maneira, menores em todo o mundo? E de chamar a isso literatura?
Pensem no assunto e digam qualquer coisa (… ou talvez não).
Acho tudo isto muito engraçado porque, este fim-de-semana, estive precisamente de volta da sinopse de “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma” e da reinterpretação que o Pasolini fez do assunto. Mas isso são outros 500, a debitar no próximo post.

2 Comments:

Blogger smallworld said...

1)Sim, acho que se esta a menosprezar a capacidade critica dos leitores. Descricoes pormenorizadas de sevicias a criancas tanto podem provocar total repulsa como aliciar quem ja tem uma certa inclinacao para a violencia. Tudo depende da quantidade de parafusos a faltar na cabecita do leitor, mas nao me parece que seja da responsabilidade do escritor as maluqueiras que se fazem por ai culpabilizando este ou aquele livro.
2)Nao, arte e moral nao tem que estar ligadas. As vezes estao mesmo muito desligadas, na minha opiniao. Que raio de moralidade existe em pagar 1000 cts por um quadro com 3 quadrados de cores diferentes so porque eh do famoso pintor what's-his-name quando ha pessoas a morrer de fome? So por exemplo! Ok, ok, eu volto ao assunto principal...
3)Acho que a senhora tinha direito a escrever o que bem lhe apetecia... Eh ai que reside a beleza da escrita, penso eu de que... :) E cada um tem direito a escolher comprar o livro ou nao, ler ou nao. Se acharmos que certas coisas nao devem ser escritas por serem ideias perigosas, passiveis de encorajar comportamentos menos aconselhaveis, entao nao somos melhores que tantos grupos ao longo da historia que acharam que queimar determinados livros era um acto de saneamento necessario.
By the way, a mim calhou-me ser a rock chick vocalista dos Catatonia... Isso eh mto mau? Eh que nem faco ideia de quem seja a personagem.

1:40 da tarde  
Blogger Bicho d'Ouvido said...

Grande Stela, a única corajosa nestes dois dias! Gostei da tua resposta! Muito obrigado pelo feedback. Vou-me deixar de posts intelectualóides. Hehehe
Quanto à vocalista dos Catatonia, sabes que também não lhe conheço mais nada senão a voz, bastante suave e com umtoque naíf, por sinal

11:05 da tarde  

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