2007-03-07

À beira dos 30

É impressionante como podemos andar tantos anos enganados.

Aos 20 pensamos que nos livrámos finalmente das teias de aranha da adolescência, dos seus dramas de faca e alguidar e das suas rebeldias de almanaque, quando começamos a ganhar uns trocos e atiramos um "Até logo" à mãe sem previsão de chegada.
Saímos de casa num dia de chuva, com uma mochila cheia de roupa, meia dúzia de livros e CD riscados e um ou dois recuerdos sentimentais imberbes. Vamos regressando de duas em duas semanas para levar, aos poucos, partes da nossa vida, como orfãos à espera de serem recolhidos do nosso quarto de solteiro cada vez mais vazio.
Se tudo correr bem, ao fim de um mês os velhos já fizeram planos para instalar ali um escritório, uma sala de estar ou uma arrecadação para a tralha.
Se tudo correr mal, deixarão tudo como no dia em que saiste: o urso feliz em cima da colcha pirosa, a boneca zarolha em cima do guarda-vestidos, os posters dos Nirvana saídos na Bravo, amarelecidos e ainda colados às paredes com fita-cola e cuspo.
E de cada vez que regressares, cada vez mais de longe em longe, cada vez mais espaçado, parece-te difícil que dormiste ali, choraste ali, fumaste cigarros clandestinos e deste quecas ainda mais clandestinas ali e tudo se passa como se olhasses para um álbum de família nostalgicamente carregado de momentos longínquos em que todos eram felizes.

Os anos que se seguem são uma sucessão de tentativas de encaixe a novos empregos, novos corpos, novos amigos, novas solidões, novas facturas a abarrotar a caixa do correio, novos enganos.

Um dia, vindo do nada, com o baque surdo de um soco no estômago para o qual ninguém te preparou, percebes que nunca entendeste tão bem a tua mãe como naquele momento. E só ao fim de 30 anos é que te cai a moeda e percebes que ela tinha razão em muita coisa: devias ter aprendido a funcionar com a máquina de lavar roupa, a entregar os impostos a tempo, a fazer um pé de meia, a escolher as melhor as companhias e os empregos.
De repente, percebes que te vai faltando tempo, que lhe vai faltando mais tempo ainda a ela e que, afinal, só agora começam a chegar as primeiras dores de crescimento.

Tenho que começar a ler as letrinhas em rodapé...

9 Comments:

Blogger Fujiman said...

Também tenho que deixar de olhar só para os bonecos e começar a ler as miúdinhas...

Mas pronto, sempre temos brinquedos maiores!
Que o digam as nossas caixas de correio...

Bjocas

7:10 da tarde  
Blogger Mafalda said...

linda, amei este teu post. ando igual, cheia de dores de crescimento. bj grd*

5:14 da tarde  
Blogger linfoma_a-escrota said...

INEVITÁVEL

O Verão cria sombras de nostalgia
embebida pela cítara
em mangas de camisa,
daqueles tempos em que era tudo a brincar.
As épocas que passam subtis,
mal delimeadas,
sem motivo de maior,
numa suave liberdade perdida
à deriva...
O prazer de fazer algo pela primeira vez
não embrutecido pela rotina da vida.
A certa altura
não passa duma reposição melancólica
do que foi a nossa juventude,
daqueles últimos dias de aulas
telefonava-se aos amigos e
estávamos vivos;
explorando as ruas da cidade,
esquecendo a saudade,
conversava-se vagamente
sobre o que nunca interessou.
Como antigamente,
como enxames de vespas aprendendo a dançar
sugando o sangue do dia até ao auge,
sem limites.
Nunca se tinha razão (tão novo)
e era tão bom (desde que o espírito não desfaleça)
foram os melhores tempos,
partilhando as primeiras cervejas
imaginámos
um futuro que não era suposto chegar,
perdeu-se a benção da ignorância.
Sofres agora as consequências
do que deixaste andar.
Os pais deixaram de se preocupar,
sentes um estúpido desejo de os beijar,
os galos ficaram roucos de cantar,
já não se sentem obrigados a acordar;
já ninguém te arranca
do confortável tecido dos lençóis
gritando que estás atrasado,
nem te examina os olhos
refutando que estás drogado.
Nunca mais
pudeste gozar com a cara aborrecida
dos teus amigos de turma
que já nem reconhecerias,
(com quem muito viveste
o quê? Não te lembras
mas sabes que fez sentido).
A adrenalina de quebrar as regras,
as escolhas impostas,
as experiências que nos ensinaram a recuperar,
a ver o óbvio de outro modo,
no conforto do hábito do contrabaixo do tempo
pessoas que se perderam,
oportunidades que morreram,
sempre os remorsos que pressistem e
mais uns quantos anos que passam.
Nada a fazer,
como aproveitar?
Mais tarde serás tu a reprimir novos escândalos
naquela íris da expectativa
inculcando que não se é optimista
para sempre.
As memórias prevalecem,
acordadas ou em coma,
reconhecendo o passado,
chorando o futuro,
sabendo do inevitável negro percorrer das Primaveras,
suspirando tantos translúcidos sorrisos do que não voltará a ser
porque adormeceste
ou viajaste pelo mundo até perderes o folêgo.


in fotosíntese 2002
j.m.


WWW.MOTORATASDEMARTE.BLOGSPOT.COM

2:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

pois é. a gente envelhece...

2:17 da manhã  
Blogger smallworld said...

yaaa... No outro dia senti um calafrio na espinha quando a minha avo me disse: "Ai filha, nem posso crer que ja tenho 80 anos... Passaram a correr..." E concordo... So muito depois do fim dos teens se comecam mesmo a sentir as dores de crescimento, quando passa a euforia de sermos finalmente independentes e percebemos o que isso realmente significa.

3:51 da tarde  
Blogger matie said...

Não sei como é que vim cá parar... Mas também não interessa.

Concordo com tudo: Realmente!

5:50 da tarde  
Blogger Margaret said...

aiai n tou perto dos 30 mas j sinto isso... mas kem m dera ter dado kekas clandestinas na minha cama k era bem boa! LOLOL

8:43 da tarde  
Blogger Blog do Atelier da Jô said...

Bem, até parece que tive a ler um dia meu lol...
Isto aqui é que é verdade...
30 fresquinhos, acabados de fazer (não parece, claro) e ainda nem acredito.
No outro dia no trabalho perguntaram me a idade e respondi logo sem pensar 29 e só depois fui dar conta que estas contas ja não posso fazer mais.
Nunca pensei, na adolescência achei que quando tivesse 30 ia ser super velha, no mínimo casada e rodeada de filhos pra criar lol. Pra além de profissionalmente reconhecida e de bem com a vida.
A verdade é que metade das coisas não fiz a pensar que nunca chegava aqui aos 30 e a outra metade ainda tenho cabeça de miúda e por ela nunca mais fazia os 30...
Achei este blog e adorei, vou voltar mais, um beijinho.

8:25 da tarde  
Blogger Fujiman said...

...olha...
...bloga lá isso...

3:30 da tarde  

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