2006-12-27

Fantasma do Natal Passado

Agora, que o Natal se resume aos caixotes de lixo a abarrotar de fitas, papel de embrulho, caixas de cartão, restos de Consoada e rabanadas ransosas, numa imensa lixeira terceiro mundista

agora, numa ressaca de presentes descartáveis e completamente inúteis, numa orgia de panos de cozinha, tupperwares e serviços de café repetidos pela 15ª vez, que é preciso fazer caber nos armários ou endossar discretamente a outro trouxa no próximo Natal

agora, que se contabilizam 246 milhões de mensagens SMS enviadas na quadra, apenas em duas operadoras de telemóvel; 246 milhões de mensagens padronizadas que falam de luz, paz, amor, alegria, coisas boas, sevícias ao Pai Natal e às renas, mandados indiscriminadamente a toda a nossa lista de contactos à laia dos cartões com aldeias da Lapónia e bonecos de neve que já não enviamos a ninguém (se quiséssemos fazê-lo, teríamos que contar com a greve dos Correios); 246 milhões de mensagens naquele tom fatídico e deprimente de escrever a pessoas que não vemos há mais de ano como se tivessemos estado com eles no café, ontem à noite, e a pessoas com quem estivemos no café, ontem à noite, como se não as vissemos há mais de um ano

agora, que a multidão enraivecida já não se espezinha e acotovela nas filas das caixas dos supermercados, das lojas de roupa e artigos para o lar e tecnologias multimédia, das lojas orientais que fingem celebrar o Natal

agora, passadas as 48 horas de tréguas dos homens de boa vontade com desejos de paz no mundo

agora, que não precisamos recear mais as matinés televisivas de filmes musicais com crianças orfãs e cãezinhos perdidos, onde o final é inevitavelmente feliz e projectado em cenários com árvores de Natal de 3 metros

agora, que o Natal já é restolho outra vez, também já era tempo de acabarem com a merda das deprimentes cantiguinhas de elevador em pan pipe moods sobre o Rudolfo e o Nicolau a chegar à cidade e o pinheirinho e as janeiras e o Menino nas palhas deitado! Elas já cumpriram o seu papel, já nos levaram a torrar todo o subsídio em coisas que queríamos e não queríamos comprar! Dêem-lhes uma morte digna!

Já chega.
Ok?
Por favor?...
... antes que a gente corte os pulsos?...